V Domingo de Páscoa – A
10 de Maio de 2020
Anda tudo baralhado. Não é este ou aquele significado,
mas este e aquele; são ambos. Na vida, em geral, e na fé, em particular,
as opções por uma única via de compreensão nem sempre indicam fidelidade.
Muitas vezes não passam de sinónimo de rigidez, de insegurança, de imaturidade.
De quem quer ver o mundo a preto e branco, mas o mundo não é assim; no mínimo,
é cinzento, mas, em rigor, é polícromo. A vida e o mundo têm muitas cores, como
os arco-íris que neste tempo se espalham por todo o lado com a mensagem “vai
tudo ficar bem”. Não, não vai ficar tudo bem, mas também não vai ficar tudo
mal. Muitas coisas vão mudar, é inevitável. Mas cada mudança apre portas a mil
possibilidades novas.
Ainda nos alvores do Evangelho e os apóstolos andavam já acabrunhados
com o serviço social… Então, decidiram ampliar os ministérios na Igreja e
confiaram a “sete homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de
sabedoria”. Os exegetas e historiadores concordam hoje em afirmar que este
texto não é a origem dos diáconos, tal como hoje os conhecemos e pensamos. Em
primeiro lugar, porque a separação de acção social e liturgia (oração e pregação)
não aparece nos Actos dos Apóstolos. De facto, o “diácono” (isto é, servo,
colaborador, sócio) Estêvão aparece no capítulo 7 como um grande pregador e é
por isso que é martirizado. Por sua vez, o diácono Filipe aparece no capítulo 8
como aquele que desce à Samaria para aí ensinar o evangelho. E aquele
insuperável pregador que foi São Paulo não deixou de organizar uma colecta para
os pobres de Jerusalém (Act 11,27-30; 2 Cor 8; Rm 15,26). Portanto, pregação e
caridade andaram sempre de mãos dadas, como ainda hoje é. A escolha e ordenação
dos diáconos correspondeu, pois, a outro problema ou necessidade: uma questão
étnica. Eram as viúvas dos helenistas que eram desfavorecidas em relação às dos
hebreus. Os diáconos – que eram todos helenistas – foram escolhidos para servir
o Evangelho a essa parcela da Igreja nascente. Tratou-se, pois, de uma questão
de inculturação, de servir cada um/a na sua linguagem, na sua cultura, na sua
necessidade concreta. Mas é claro que temos muito a aprender da acção dos Apóstolos
que dilataram os ministérios para abraçar âmbitos diversos e confiaram-nos a
muitas pessoas. É o caminho da Exortação do Papa Francisco “Querida Amazónia”,
cuja relevância está muito para além do contexto brasileiro, peruano,
venezuelano, etc. Todo o capítulo IV, e particularmente, os números 81-103
estão dedicados a esta questão da inculturação e dos ministérios ordenado e
laicais. A centralidade da pastoral caritativa é indiscutível; pensemos no
sacrifício infinito dos funcionários dos lares e dos párocos e presidentes de
direcção nestes dias, a viver dramas impensáveis e dolorosos. Para eles vai
toda a nossa ajuda e toda a nossa oração.
A estrada, portanto, é a da Palavra e a da Caridade: em conjunto e em
simultâneo. Sem esquecer que a tentação será sempre a de dar-se mais à
actividade do que à contemplação e oração que – como escreve Tomás Halík no seu
artigo “O sinal das Igrejas vazias” – pode ser o caminho de reforma que este
tempo pode sugerir às nossas comunidades.
Trânsito nos dois sentidos foi o que Jesus nos ensinou com a Sua vida:
Ele trouxe-nos o Pai e leva-nos a Ele: “Eu sou o Caminho… ninguém vai ao Pai
senão por Mim… quem me vê, vê o Pai”.
P. Pablo Lima
In Notícias de Viana (1937),
07 de Maio de 2020, p. 7.
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