XV Domingo Comum - A
12 de Julho de
2020
Is 55, 10-11; Sal 64
(65); Rom 8, 18-23; Mt 13, 1-23
(uma publicidade de máscara de uma fábrica brasileira)
Sim, caro/a
leitor/a, tenho saudades do teu sorriso que se esconde por trás da máscara que
tu e eu, em gesto de prevenção, respeito e amor, usamos todos os dias. Não
consigo ver os teus lábios, os teus trejeitos, as tuas bochechas pálidas ou
vermelhas. Só me ficam os teus olhos para ler, e se é verdade que são as
janelas da alma, falta-lhes a vizinha boca que faz do teu rosto um presente
único e irrepetível no mundo. Mas eu sei que o teu sorriso está lá, como está o
teu beicinho franzido ou dorido, e que um dia, se Deus quiser, vamos retirar de
vez este boçal a que nos forçam a pandemia e a caridade. Sejamos pacientes. E
cuidadosos.
Felizmente,
“a Palavra que sai da boca de Deus” (Is 55,11; 1ª leitura) não é escamoteada ou
perturbada por nenhuma máscara. Em Deus não há fingimento. A Sua Palavra é
“performativa”, como gostam de afirmar a filosofia e a teologia de hoje e que o
Papa Bento XVI tão bem ensinou na Exortação Verbum Domini, 53: “na liturgia,
vemo-nos colocados diante da Sua Palavra que realiza aquilo que diz. Quando se
educa o Povo de Deus para descobrir o carácter performativo da Palavra de Deus
na liturgia, ajudamo-lo também a perceber o agir de Deus na história da
salvação e na vida pessoal de cada um dos seus membros”. Isto é, Deus age
verdadeiramente e actualiza os acontecimentos proclamados pela voz do leitor na
Eucaristia e na oração pessoal. É “a Ele que ouvimos, quando lemos os divinos
oráculos» (Sto Ambrósio, De officiis ministrorum I, 20, 88: PL 16, 50).
Deus afirma pela pena de Isaías que “como a chuva e a neve que descem do céu
não voltam para lá sem terem regado a terra, assim a palavra que sai da minha
boca não volta sem ter produzido o seu efeito, sem ter cumprido a minha
vontade, sem ter realizado a sua missão» (Is 55,10). Mas então como é que não
vemos os seus efeitos? Se não os vemos é porque temos tapados não só a boca,
mas também os olhos e, sobretudo, os ouvidos, como acusa Jesus no Evangelho (Mt
13,15). Na verdade, a Palavra proclamada consola, cura, salva, instrui, perdoa,
ensina e, quando não é acolhida, julga. Até quando é desprezada, a Palavra é
efectiva e eficiente.
Os
quatro tipos de ouvintes da Palavra foram bem “esmiuçados” por Jesus na
explicação da Parábola: o néscio que não entende nem procura entender a
Palavra, o desenraizado ou superficial que não suporta as contrariedades, o
materialista que dedica mais tempo a cuidar do corpo mortal que do espírito
imortal e o sábio que “ouve e entende e dá fruto”. Compete a cada um de nós
discernir em que grupo se encontra hoje. Porque a
fidelidade à Palavra de Deus não se adquire para toda a vida nem é possível viver
de rendimentos espirituais. Implica esforço e dedicação quotidiana. Foi assim
que muitos santos acabaram degradados e muitos pecadores acabaram nos altares.
Um
desses heróis da Palavra, por estes dias profanado nas suas estátuas, foi o
Padre António Vieira, imperador da língua portuguesa. No seu famoso e sempre
digno de releitura “Sermão da Sexagésima” comenta a Parábola da semente,
concluindo que a culpa da infertilidade da Palavra também pode estar do lado
do… pregador. Se a semente é boa e o terreno também…
P. Pablo Lima
In Notícias de Viana (1945), 09 de Julho de 2020, p. 7.
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