domingo, 3 de maio de 2015

Ladrões ou filhos da videira que é Cristo

V Páscoa – B
Jo 15,1-8



            Os vinhos mais refinados e preciosos são produzidos a partir de vinhas sabiamente enxertadas num processo longo e cuidadoso: normalmente faz-se com videiras já velhas e de qualidade comprovada nas quais são enxertadas varas jovens, cheias de força e de vigor. Hoje, no Evangelho, Jesus diz que ele é a videira e nós os ramos (Jo 15,5). A imagem é forte; num certo sentido, é ainda mais forte que a do Bom Pastor pois, na verdade, o pastor mantém uma vida própria diferente das ovelhas enquanto a videira e os ramos partilham a mesma existência e a sorte desta é a sorte daqueles.
            Muitas vezes, no Antigo Testamento, o povo de Deus é designado com a imagem da videira (Is 5,1-7; 27,2-5; Jr 12,10). Mas o salmo 80 - que é todo ele uma oração pela vinha de Deus devastada pelo exílio -, conclui-se com uma prece que personaliza a imagem da videira na figura do rei, usando estas palavras (vv.16.18): “Protegei a cepa que a vossa mão direita plantou, o filho (rebento) que fortalecestes para Vós. Estendei a mão sobre o homem que escolhestes, sobre o filho do homem que para Vós criastes”. Lamentavelmente a tradução litúrgica portuguesa prefere o termo “rebento” para traduzir a palavra hebraica, ignorando assim tanto a versão grega como a latina que preferiram o termo “huios” ou “filium”. Dessa forma, ignora-se a interpretação messiânica do salmo que concentra a imagem da videira no “filho do homem”. E é por isso que Jesus pôde reclamar para si a imagem que era aplicada colectivamente ao povo de Israel e dizer “Eu sou a verdadeira vide”. (15,1)

            Nesta videira é necessário permanecer: é questão de vida ou de morte. De facto, a nossa raíz não está em nós: está na nossa família, na nossa comunidade, na nossa história e, enquanto cristãos, está em Jesus. No baptismo, fomos enxertados em Cristo como diz S. Paulo aos Romanos (11,16-17), “se a raíz é santa, sê-lo-ão também os ramos. (...) Tu que és um ramo selvagem, foste enxertado e tornaste-se partícipe da raíz e da seiva”. Mas a permanência em Jesus não se faz de uma vez para sempre: é submetida à prova da poda: “Meu Pai é o agricultor: ele corta todo o ramo que está em Mim e não dá fruto e limpa todo aquele que dá fruto para que dê ainda mais fruto. Vós já estais limpos por causa da palavra que vos anunciei” (15,2-3). Ou seja, é a Palavra de Jesus que nos poda, nos limpa, nos purifica de tudo aquilo que nos dispersa, nos torna preguiçosos e incapazes de dar fruto. A poda que o Pai faz leva-nos a um movimento de sobriedade humana e espiritual, conduz-nos a abandonar tudo aquilo que nos rouba a força. Não é por acaso que, na poda, aos ramos velhos e supérfluos, aqueles que roubam a seiva vital se lhes chama, precisamente, “ladrões”, e aos outros, os férteis e novos, justamente, se lhes chama “filhos”. Ora, na vida cristã, cada ramo tem a opção de ser ladrão ou ser filho.

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