05 de Dezembro de 2021
Bar 5, 1-9; Sal 125 (126); Flp 1, 4-6.8-11; Lc 3, 1-6
O Advento é o tempo litúrgico mais curto do ano. Raramente chega a ter quatro semanas completas e passam tão depressa! Os dias parecem ser mais curtos do que a duração das velas na coroa... Quando finalmente prestamos atenção, damos conta que o Natal é já nessa semana! Talvez por isso o rito ambrosiano (Milão e arredores) conta seis semanas de Advento à semelhança da Quaresma. Durante vários anos, costumava fazer retiro espiritual naquela região em fins de Novembro e celebrava aí o primeiro Domingo de Advento. Quando finalmente regressava a Portugal... voltava à primeira semana
Normalmente é o terceiro Domingo que é chamado “Gaudete” ou “da alegria” (lit. “alegrai-vos”), mas a liturgia deste Domingo é já uma exortação ao júbilo. O profeta Baruc dirige-se ao povo, personificado na cidade santa, como quem fala a uma mulher: “Jerusalém (...) veste-te com a beleza da glória de Deus (...) cobre-te com justiça, o diadema da glória... o teu esplendor... paz... glória... piedade... vê os teus filhos reunidos... felizes... em triunfo... Deus conduzirá Israel na alegria... com a misericórdia e a justiça”. Baruc foi secretário de Jeremias antes da destruição de Jerusalém (Jer 36,4-32), mas, tendo sido capturado, foi também exilado para a Babilónia. Nessa circunstância tão dolorosa, proferiu as palavras grávidas de entusiasmo e esperança que escutamos hoje. Na escuridão da noite e da tragédia, o profeta anuncia que Deus não abandona o Seu povo e, por isso, pode renascer a alegria.
Parte da profecia de Baruc (5,7) ecoa a profecia de Isaías (40,4) que Lucas (3,5) também cita no evangelho de hoje: “Deus decidiu abater todos os altos montes e as colinas seculares e encher os vales, para se aplanar a terra”. O protagonista desta terraplanagem é João Baptista (Lc 3,2). João tem um pé na Antiga Aliança (ou Antigo Testamento) e o outro pé na Nova Aliança. A sua mensagem, o seu estilo, a sua palavra replicam as grandes personagens do passado como Moisés e Elias e, graças a ele, o espírito de profecia acorda novamente em Israel. Mas João é também aquele que abre a porta ao Messias, que olha para a frente, para o futuro e “prepara o caminho para o Senhor”.
Lucas parece obcecado em dar-nos pormenores do contexto político, religioso, familiar e geográfico no qual “foi dirigida a palavra de Deus a João”: “no décimo quinto ano do imperador Tibério, quando Pôncio Pilatos era governador da Judeia, Herodes tetrarca da Galileia (...), no pontificado de Anás e Caifás (...) a João, filho de Zacarias, no deserto (...) em toda a zona do rio Jordão”. O evangelista quer deixar bem claro que a Palavra de Deus encarna verdadeiramente na realidade, no tempo presente, no “aqui e agora” de Deus e do ser humano. Nunca é demais insistir nisto. Porque a tentação de todas as religiões e de todos os crentes é focar-se no folclore do passado e numa ideologia da tradição que se fixa nos pormenores exteriores e esquece o essencial da Palavra e da Caridade. Aquilo que por vezes se chama “tradição” não era mais do que o tempo “presente” dos outros no passado. Mas é mais fácil abraçar a repetição do passado do que a responsabilidade e a canseira de viver o evangelho no mundo de hoje e pregá-lo com linguagem deste tempo.
A exortação do Profeta do Deserto é que abatamos “os montes e as colinas” do nosso orgulho e auto-suficiência”; que alteemos “os vales” da tristeza e da depressão que nos tentam no deserto; que endireitemos “os caminhos tortuosos” da mentira, da falsidade e dissimulação com que pactuamos. Por outras palavras, que façamos na nossa vida, nas nossas famílias e comunidades, na nossa sociedade e na Igreja um trabalho de terraplanagem das “veredas escarpadas”, para caminhar sem atropelos e acidentes ao encontro do Senhor e dos irmãos. Assim, poderemos experimentar a “remissão dos pecados” e “toda a criatura verá a salvação de Deus”.
A epístola aos Filipenses é uma das cartas do cativeiro, que Paulo escreveu na prisão. A abertura que hoje lemos é comovente, ainda que a tradução litúrgica não destaque claramente os sentimentos do apóstolo. Alertando os cristãos para o “Dia de Cristo”, exortando-os a um amor fraterno sempre crescente, afirma que, ao recordar-se deles, “reza com alegria”. Em seguida, desavergonhadamente abre o coração e diz: “Deus é testemunha de que tenho saudades de todos vós, nas entranhas de Cristo Jesus” (Flp 1,8). O Advento, tempo de preparação para o “Dia de Cristo”, o Natal, é tempo de saudade e gratidão. Olhamos para trás e reconhecemos quanto temos para agradecer e sentimos, mais do que noutros momentos do ano, a saudade daqueles que nos deixaram. O tempo é breve, aproxima-se a hora do reencontro. Vamos...?!
P. Pablo Lima