quarta-feira, 22 de julho de 2020

Um coração inteligente

XVII Domingo Comum - A
26 de Julho de 2020
Reis 3, 5. 7-12; Sal 118 (119); Rom 8, 28-30; Mt 13, 44-52

Um coração inteligente

            Em 1998, o psicólogo e jornalista Daniel Goleman publicou o seu best-seller “Inteligência emocional”. A sua tese é que o QI do ser humano não pode ser apenas medido em termos cognitivos, mas em termos emocionais. Reconhecer e lidar com os próprios sentimentos e saber relacionar-se com as pessoas ao nosso redor é a chave do sucesso existencial e laboral, afirma Goleman. Desde então as suas ideias tornaram-se património comum e uma grande parte das consultoras empresariais incluíram questões de inteligência emocional nos testes de aptidão. Por conseguinte, não basta a uma pessoa ter grandes capacidades mentais, ter dinheiro e saúde e um bom contexto familiar para que a vida lhe corra bem e seja feliz. É preciso saber viver.
    
            Há três mil anos atrás, um jovem príncipe de um pequeno e insignificante reino chamado Israel, na hora de subir ao trono, pediu a Deus “um coração inteligente” (1 Re 3,9). Salomão estava preocupado com a necessidade de “distinguir o bem do mal” (v.9), porque disso dependeria o êxito da sua missão e o bem-estar daqueles que lhe eram confiados. A Deus agradou a oração do rei porque não pediu “saúde, riqueza, nem a morte dos inimigos, mas sabedoria” (1 Re 5,11). Por isso, concedeu-lhe um “coração sábio e esclarecido, como nunca houve antes nem depois”. De Salomão rezam as letras sagradas que foi o rei mais brilhante do povo de Deus, que reuniu grande esplendor e poder, mas esqueceu-se de Deus e entregou-se aos ídolos. Sábio, sim; santo, não.

            A inteligência emocional necessita ser completada pela inteligência espiritual. No séc. IV, Santo Agostinho rezava “Senhor, que eu me conheça a mim mesmo; que eu Te conheça, Senhor”. O auto-conhecimento ideal é aquele que inclui o conhecimento d’Aquele que nos deu a vida e nos sustenta no ser. Muitas vezes, ocorre que pessoas que não tiveram uma formação escolar e académica prolongada sabem viver melhor do que grandes intelectuais incapazes de falar com gente simples e com tiques de snobismo. Podem não ser letrados, mas são sábios.

            Jesus não teve uma educação superior. Aprendeu os rudimentos da língua hebraica como qualquer hebreu da época, para poder ler na sinagoga. No entanto, sabia ouvir, ver, pensar, sentir, rezar. A sua sabedoria não estava fundamentada apenas na sua omnisciência divina, mas na sua humanidade plenificada pela relação com o Pai e com os outros. Por isso, Augusto Cury chama-lhe “o mais inteligente da história”.

            Diante das encruzilhadas e múltiplas opções que a vida nos apresenta todos os dias, a capacidade de decidir bem é um grande sinal de sabedoria. Decidir implica antever, preparar, sonhar, programar, estudar, ler, observar. E, depois de tudo isto, estabelecer a hierarquia de valores que leva a optar pela realidade mais justa, mais valiosa, mais feliz. Jesus afirma que a sabedoria de escolher o Reino de Deus é como a do negociante que encontra a pérola preciosa ou o tesouro escondido (Mt 13,44-46) e troca tudo para adquirir esse bem superior; ou como o pescador que distingue os peixes fracos dos bons peixes. Finalmente, “o escriba instruído” é como “o pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e coisas velhas”. Porque a sabedoria significa também saber onde estamos, donde viemos e para onde vamos. 

P. Pablo Lima

In Notícias de Viana (1947), 23 de Julho de 2020, p. 7.

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