quarta-feira, 8 de julho de 2020

Saudades do teu sorriso


XV Domingo Comum - A
12 de Julho de 2020
Is 55, 10-11; Sal 64 (65); Rom 8, 18-23; Mt 13, 1-23

(uma publicidade de máscara de uma fábrica brasileira) 

            Sim, caro/a leitor/a, tenho saudades do teu sorriso que se esconde por trás da máscara que tu e eu, em gesto de prevenção, respeito e amor, usamos todos os dias. Não consigo ver os teus lábios, os teus trejeitos, as tuas bochechas pálidas ou vermelhas. Só me ficam os teus olhos para ler, e se é verdade que são as janelas da alma, falta-lhes a vizinha boca que faz do teu rosto um presente único e irrepetível no mundo. Mas eu sei que o teu sorriso está lá, como está o teu beicinho franzido ou dorido, e que um dia, se Deus quiser, vamos retirar de vez este boçal a que nos forçam a pandemia e a caridade. Sejamos pacientes. E cuidadosos.
            Felizmente, “a Palavra que sai da boca de Deus” (Is 55,11; 1ª leitura) não é escamoteada ou perturbada por nenhuma máscara. Em Deus não há fingimento. A Sua Palavra é “performativa”, como gostam de afirmar a filosofia e a teologia de hoje e que o Papa Bento XVI tão bem ensinou na Exortação Verbum Domini, 53: “na liturgia, vemo-nos colocados diante da Sua Palavra que realiza aquilo que diz. Quando se educa o Povo de Deus para descobrir o carácter performativo da Palavra de Deus na liturgia, ajudamo-lo também a perceber o agir de Deus na história da salvação e na vida pessoal de cada um dos seus membros”. Isto é, Deus age verdadeiramente e actualiza os acontecimentos proclamados pela voz do leitor na Eucaristia e na oração pessoal. É “a Ele que ouvimos, quando lemos os divinos oráculos» (Sto Ambrósio, De officiis ministrorum I, 20, 88: PL 16, 50). Deus afirma pela pena de Isaías que “como a chuva e a neve que descem do céu não voltam para lá sem terem regado a terra, assim a palavra que sai da minha boca não volta sem ter produzido o seu efeito, sem ter cumprido a minha vontade, sem ter realizado a sua missão» (Is 55,10). Mas então como é que não vemos os seus efeitos? Se não os vemos é porque temos tapados não só a boca, mas também os olhos e, sobretudo, os ouvidos, como acusa Jesus no Evangelho (Mt 13,15). Na verdade, a Palavra proclamada consola, cura, salva, instrui, perdoa, ensina e, quando não é acolhida, julga. Até quando é desprezada, a Palavra é efectiva e eficiente.
            Os quatro tipos de ouvintes da Palavra foram bem “esmiuçados” por Jesus na explicação da Parábola: o néscio que não entende nem procura entender a Palavra, o desenraizado ou superficial que não suporta as contrariedades, o materialista que dedica mais tempo a cuidar do corpo mortal que do espírito imortal e o sábio que “ouve e entende e dá fruto”. Compete a cada um de nós discernir em que grupo se encontra hoje. Porque a fidelidade à Palavra de Deus não se adquire para toda a vida nem é possível viver de rendimentos espirituais. Implica esforço e dedicação quotidiana. Foi assim que muitos santos acabaram degradados e muitos pecadores acabaram nos altares.
            Um desses heróis da Palavra, por estes dias profanado nas suas estátuas, foi o Padre António Vieira, imperador da língua portuguesa. No seu famoso e sempre digno de releitura “Sermão da Sexagésima” comenta a Parábola da semente, concluindo que a culpa da infertilidade da Palavra também pode estar do lado do… pregador. Se a semente é boa e o terreno também…
           
P. Pablo Lima

In Notícias de Viana (1945), 09 de Julho de 2020, p. 7.

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