V Domingo do Tempo Comum – A
09 de Fevereiro de 2020
Is 58, 7-10; Sal 111 (112); 1 Cor 2, 1-5; Mt 5, 13-16
O sal
era um dos principais objectos de comércio no mundo antigo. Era tão importante
que os soldados romanos podiam receber o pagamento em sacos de sal e as pensões
dos oficiais do exército romano faziam-se pela concessão de propriedade de
salinas que garantiam rendimentos vitalícios. Assim nasceu a expressão
“salário”.
Três
das principais funções do sal no mundo antigo decaíram ou desapareceram. Não
parece que a sua principal utilidade fosse a culinária. Evitando o seu uso na
cozinha, poupavam em medicação para controlar a tensão arterial…
O sal
era usado, principalmente, para a conservação dos alimentos. Até há poucas
décadas, não havendo frigorífico, as carnes eram salgadas e conservadas nas
salgadeiras que não faltavam em nenhuma casa de família. E nos barcos,
sobretudo nos barcos.
Em
segundo lugar, o sal tinha funções terapêuticas: era usado em abluções, para
“cauterizar” feridas, como anti-inflamatório e desinfetante. Nalgumas casas,
ainda antes de existir o soro fisiológico à venda nas farmácias, já usavam água
tépida com sal para aliviar as vias nasais, por exemplo.
Finalmente,
o sal era um combustível. Ou, melhor, era um catalisador. E é a isto que,
provavelmente, se referem as palavras de Jesus no Evangelho de hoje: “Vós sois
o sal da terra. Mas se ele perder a força, com que há-de salgar-se? Não serve
para nada, senão para ser lançado fora e pisado pelos homens”. No mundo
oriental onde Jesus viveu e morreu, “terra” era o nome dado a um forno que se fazia
escavando um buraco no chão[1] (semelhante
ao cozido das furnas, nos Açores) ou que se construía em barro (cfr. Job 28,5 e
Sal 12,6). Esse forno, a “terra”, usava como combustível os excrementos
bovinos. Ainda hoje, na Ásia (Índia, Nepal, etc), é comum ver “pastéis de
bosta” às portas das casas que são usados como combustível para cozinhar ou
aquecer a casa. Mesmo entre nós, nalgumas casas, consta-se que os mesmos
excrementos bovinos eram usados para selar a porta de madeira nos fornos de
pão. Para manter os excrementos em chama, usavam-se placas de sal ou sal solto.
Quando o sal ficava “queimado”, não tinha nenhuma utilidade senão ser deitado
nos caminhos para regularizar o terreno e amaciar os cortes provocados pelas
pedras da estrada. De facto, queimar o sal é a única forma de o inutilizar pois
o sal é um dos cinco alimentos que não tem prazo de validade.
Portanto,
as palavras de Jesus “Vós sois o sal da terra” são palavras incendiárias.
Querem recordar aos discípulos a sua missão de espalhar o fogo sobre o qual
Jesus disse: “Eu vim trazer o fogo à terra e que quero eu senão que ele se
acenda?” (Lc 12,49). Se os discípulos são sal que não presta como catalisador…
não servem para nada senão para ser deitados fora.
A
imagem do sal enquanto fogo casa bem com a imagem da luz: “Vós sois a luz do
mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; nem se acende
uma lâmpada para a colocar debaixo do alqueire, mas sobre o candelabro, onde
brilha para todos os que estão em casa”. O sal acende o fogo, o fogo aquece e
dá luz. Aos discípulos não se pede menos do que isto.
Mas,
atenção, a questão do testemunho é muito delicada. Às vezes, ouvir certos
cristãos “a dar testemunho” provoca grande tristeza. Porque pensam que dar
testemunho é relatar as suas boas obras, os seus actos de piedade e
generosidade, o seu “amor a Deus e ao próximo”. Dar testemunho é ser como
Cristo, é ser cristão. É levantar perguntas e suscitar inquietações:
“Porquê…?”. Pelo testemunho, o outro deve ser convidado e deve poder encontrar
a Deus, não ao que dá testemunho. As palavras de Jesus são muitos claras:
“Assim deve brilhar a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas
boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus”. O testemunho deve ser
como um espelho no qual os outros podem ver… a Deus, não ao cristão. A glória é
para Deus, não para os homens.
P. Pablo Lima
In Notícias de Viana (1925), 06 de Fevereiro de 2020, p. 7.
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