II Domingo de Páscoa – A
19 de Abril de 2020
Act 2, 42-47; Sal 117 (118); 1 Pedro
1, 3-9; Jo 20, 19-31
M.I. Rupnik, Ressurreição (2006), Colégio de Sto. Estanislau, Ljubljana, Eslovénia.
A expressão “evangelho da ressurreição” é equívoca pois, enquanto
“relatos”, os evangelhos não nos dizem nada sobre a ressurreição mas contam-nos
a experiência que os discípulos fizeram do Ressuscitado. Ocorre quase como numa
série televisiva da qual, tendo perdido um episódio, pode-se reconstruir a
trama a partir dos eventos sucessivos. Não sabemos como aconteceu a ressurreição,
mas sabemos o que se passou a seguir. A este respeito, o Precónio Pascal é
sugestivo: “oh noite bendita, única a ter conhecimento do tempo e da hora em
que Cristo ressuscitou do sepulcro!”.
A razão deste silêncio evangélico sobre a ressurreição encontra-se nos
limites da nossa linguagem: há realidades para as quais as palavras ficam
curtas ou mesmo totalmente incapazes de expressão. Quantas vezes dizemos para
nós mesmos: “não encontro as palavras…”. Não é que não “saibamos”; é que, na
verdade, não “podemos” dizer coisa alguma. Ficamos áfonos. E só nos resta permanecer
calados, à escuta. A isso o Oriente chamou teologia “apofática”; entre nós, é
habitual traduzir-se por teologia “negativa”, isto é “não podemos falar sobre o
que Deus é” ou, ainda, “de Deus acertamos mais a dizer o que Ele não é”. Isto
aplica-se de modo particular à ressurreição.
Olhando para o “episódio seguinte”, para o “depois” da ressurreição,
encontramos os seus efeitos. Não me refiro às “provas” clássicas da
ressurreição: o túmulo vazio, as ligaduras e o sudário, o terramoto, as chagas
e as aparições… Dessas ao que parece já S. Tomás de Aquino dizia “non sunt
probationes sed signa”: não são provas, mas sinais. A ressurreição é, na
verdade, um acontecimento improvável no duplo sentido do termo: algo
que, humanamente, não é de esperar que aconteça e, acontecendo, não se pode
provar humanamente a sua veracidade. E isso porque é a ressurreição não é histórica,
mas sim meta-histórica: isto é, ultrapassa os limites do tempo e do espaço
(“o tempo e a hora…”) da forma como os conhecemos.
Os efeitos da ressurreição – tal como surgem na leitura dos Actos e da
primeira Epístola petrina– são económicos, sociais, políticos, psicológicos e
espirituais. De facto, a comunidade cristã instaurou uma nova rede de relações
onde eram assíduos “à comunhão fraterna” e “tinham tudo era comum” (Act
2,42.44). E, apesar das provações do tempo presente, passaram a experimentar
uma “alegria inefável e gloriosa” (1 Pd 1,9).
Não é possível não sentir uma certa simpatia por Tomé. Em certa medida,
ele não foi nem mais nem menos incrédulo que os outros apóstolos. O seu grande
erro e pecado foi ter faltado à assembleia dos irmãos, onde Cristo se fez
presente no primeiro Domingo da História. Consideremos que, até à manhã da
ressurreição, os romanos chamavam a esse dia “dies solis”, dia do sol (como
ainda hoje ocorre, por exemplo, em inglês e em alemão) e os judeus chamavam-lhe
apenas numericamente “primeiro dia”. Na verdade, demorou ainda séculos até ser
chamado “Dies Dominicus”, “do Senhor” e transformar-se definitivamente numa
só palavra, “Domingo”. Mas tudo começou nessa manhã; esse foi, verdadeiramente,
o primeiro Domingo da humanidade. Lamentavelmente, neste momento de reclusão
social, os Domingos são parecidos aos outros dias porque nós, como Tomé, não
podemos reunir-nos em assembleia. Aumentemos, então, em nós o desejo do
reencontro à volta da Mesa da Palavra e da Mesa da Eucaristia.
P. Pablo Lima
In Notícias de Viana (1934),
15 de Abril de 2020, p. 7.
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