Domingo
de Ramos na Paixão do Senhor
05 de Abril
de 2020
Is 50,4-7; Sal 21
(22); Flp 2,6-11; Mt 26,14–27,66
Uma palavra de alento
Aconteceu-me no meu primeiro ano de
padre, durante o solene evangelho do Domingo de Ramos. A atmosfera é séria: os
acólitos, os leitores a cada lado do Altar, o silêncio reverente, toda a gente
de pé… o padre no centro do Altar a ler as palavras de Jesus. Chegado o relato
das diligências para a escolha do local, os discípulos vão perguntar ao Mestre
onde quer que façam os preparativos para a ceia. O leitor teve um pequeno lapsus
linguae, motivado talvez pela hora avançada, já perto do almoço, e leu:
“Mestre, onde queres que façamos os “aperitivos” para a Páscoa?”! Tive
de morder a língua e os lábios, mas os acólitos foram os primeiros a notar, não
só na minha voz, mas na expressão do rosto, que estava a esforçar-me por não
rir descontroladamente.
A Igreja chama a este Domingo “de
Ramos na Paixão do Senhor”. Isto significa que celebramos a entrada triunfal de
Cristo em Jerusalém, mas esse evento festivo é ensombrado pela iminência da
paixão e morte de Jesus. O longo evangelho “da paixão” dá o tom para toda a
semana: é isto que vamos celebrar, uma entrega por amor.
O evangelho de Mateus (cap. 26) que
meditamos neste ano tem duas linhas de fundo em todo o relato, resumidas no
versículo 56: «mas tudo isto aconteceu para que se cumpram as escrituras dos
profetas. Então, todos os discípulos, deixando-o, fugiram». Por outras
palavras, Mateus sublinha que a paixão é assumida voluntariamente por Jesus,
realizando com amor a redenção da humanidade, provando pela sua vida e pela sua
morte que era Ele o esperado do povo de Israel, o Messias que veio para
instaurar a paz e o amor, não a violência e o ódio. E, ainda, sublinha que,
naquela vez, os discípulos não estiveram à altura do Mestre, traíram-n’O e
abandonaram-n0’O. Para nós, isto serve de consolo e de provocação. De consolo,
porque até aqueles que conviveram com Jesus e assistiram aos seus milagres,
falharam; de provocação, porque termos falhado nessa vez, não significa que
agora não possamos fazer de forma diferente.
A espiritualidade barroca singrou,
sobretudo, nos países da Europa ocidental. Em certa medida, a espiritualidade
barroca casou muito bem com o jansenismo latente, e deu origem às colossais
tribunas eucarísticas nos retábulos, ao gradeamento do altar em muitas
catedrais e à balaustrada do altar em muitas paróquias. E encheu de crucifixos
ensanguentados as nossas casas, igrejas e praças. Até aí, a imagem do
Crucificado era sobretudo gloriosa, solene, em majestade. De facto, a
contemplação da paixão de Cristo não é para inspirar em nós (sobretudo)
sentimentos de pena e choque pelo seu sofrimento físico, mas de gratidão pelo
seu amor que o levou a tudo suportar por nós. A Paixão de Cristo deve mover-nos
a amar como Ele amou e a servir como Ele serviu. A Paixão de Cristo não é para
uma meditação ensimesmada e privatizada, mas para acender em nós o fogo do seu
amor. A Paixão de Cristo não é para desanimar, mas para encorajar e dar forças
na nossa paixão.
De modo particular, a Semana Santa
que este ano vivemos mais ou menos encerrados em casa será talvez a primeira
vez na nossa vida em que poderemos rezar mais e melhor em cada dia. E assim,
poderemos aumentar em nós o desejo de, nos anos vindouros, tirarmos férias na
Semana Santa, não para ir passear, mas para participar em todo o Tríduo Pascal
(da quinta ao sábado) de corpo e alma. Este ano, só de alma, e já não é pouco.
Que bonita a profecia de Isaías 50!
Relata, sim, que “apresentei as costas aos que me batiam e a face aos que me
arrancavam a barba, insultavam e cuspiam” (v.6). Mas antes diz-nos o porquê de
tudo isto: “para que eu saiba dizer uma palavra de alento aos que andam
abatidos” (v.4).
P. Pablo Lima
In Notícias de Viana (1932),
01 de Abril de 2020, p. 7.
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