quinta-feira, 21 de maio de 2020

Ir embora, mas sem ir embora


24 de Maio de 2020
Act 1, 1-11; Sal 46 (47); Ef 1, 17-23; Mt 28, 16-20

A Transfiguração, Rafaello Sanzio, 1518-1520, Pinacoteca Vaticana, óleo sobre tela 405x278cm

Em Portugal, celebramos a Ascensão do Senhor ao Domingo porque o dia próprio (a quinta-feira da sexta semana) não é feriado. Noutras países, como a Itália, França (a laicíssima França tem mais feriados religiosos do que o catolicissímo Portugal), Alemanha, Bélgica, Áustria, etc. No nosso país, é feriado municipal em vários concelhos, sobretudo do centro e sul: Alter do Chão (Portalegre), Alvito (Beja), Anadia (Aveiro), Ansião (Leiria), Alcanena, Almeirim, Cartaxo, Golega, Chamusca (Santarém), Estremoz (Évora), Alenquer, Azambuja (Lisboa), etc. Na nossa diocese, em anos normais, a quinta-feira da Ascensão marcaria o início da Festa de Nossa Senhora do Castelo, com a procissão nocturna que antecede a caminhada ao Monte, no Domingo.
Durante os vários discursos do adeus que se encontram sobretudo na Última Ceia (Jo 13-17) e dos quais lemos um trecho no Domingo passado, Jesus foi preparando os apóstolos (e todos nós) para esta nova fase da comunidade cristã. Jesus está connosco, mas não está. Foi embora, mas não foi. Isto é, visível e sensivelmente Jesus não está no nosso meio, senão através dos sinais litúrgicos e da presença sacramental (inclusive e sobretudo o sacramento do irmão necessitado, o “oitavo sacramento”). Por isso, não podemos ficar a olhar para o céu, como branda mas firmemente increpam os anjos, os “dois homens vestidos de branco”: “Homens da Galileia, porque estais a olhar…?”. Chamam-lhes “homens da Galileia”. Não se trata apenas de uma indicação de proveniência geográfica ou sociológica. “Homens da Galileia” são os amigos do “Galileu” (Mt 26,29); portanto, aqueles que devem comportar-se conforme aquilo que com Ele aprenderam na Galileia. Aliás, Jesus tinha-lhes ordenado voltar para a Galileia, como o início do Evangelho tão bem refere no seu incipit deste Domingo (Mt 28,18).
Por vezes, a nossa acção pastoral e as nossas reacções diante da vida e dos problemas fazem pensar que Jesus foi mesmo embora, ou pelo menos, assim pensamos ou nos comportamos. Agimos como se a vida do mundo ou da Igreja dependessem de nós e temos pouco em conta o essencial daquilo que o Senhor nos ordenou. Preocupamo-nos em manter as mesmas estruturas de sempre, somos saudosistas, pouco criativos, temos medo do futuro e da mudança. E, entretanto, o mundo não pára e vemos o comboio a passar. Nós vivemos na expectativa do regresso de Cristo, da sua Parusia. Mas vivemos tantas vezes ancorados na Idade Média ou em Trento. Fixamo-nos na segunda parte do mandamento de Cristo “baptizando”, mas esquecemos a primeira e a terceira que dizem exactamente o mesmo: “ide e ensinai todas as nações (…) ensinando-as a cumprir tudo o que vos mandei”. Em São Mateus, estas são as últimas palavras de Jesus sobre a terra. Portanto, ensinar antes e depois. E a preciosíssima e pacificadora última linha do evangelho é: “Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos” (Mt 28,20).

P. Pablo Lima

In Notícias de Viana (1939), 21 de Maio de 2020, p. 7.

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