31 de Maio de 2020
Act 2, 1-11; Sal 103 (104); 1 Cor 12, 3b-7. 12-13; Jo 20, 19-23
“Agora
que acaba a Páscoa, vai começar a Páscoa” – ouvi há poucos dias. Foi um
desabafo de um padre que preparava os círios pascais para benzer ou entronizar
na Vigília e Domingo de Pentecostes. Fiquei comigo a pensar que os Apóstolos
devem ter dito algo semelhante. De facto, a Igreja nasceu quando “acabou a
Páscoa”, ou, ainda melhor, a Igreja nasceu no cumprimento e termo da Páscoa.
Este ano, por (in)feliz coincidência, o culto e a acção pública da Igreja
(re)começam no Domingo de Pentecostes, um pouco como nos tempos apostólicos.
Sublinho acção “pública”, porque, em termos particulares, na oração, na
caridade, no ensino e até nos sacramentos, a Igreja não parou (de crescer).
Este ano, então, o Pentecostes tem um sabor especial.
Em
nenhum local do nosso país o Espírito Santo recebe um culto popular tão forte
como nos Açores. Atribui-se à rainha Santa Isabel (e, indirectamente, a D.
Dinis) o rito no qual um pobre era coroado por um dia. A sabedoria e
sensibilidade franciscanas encontraram na devoção da rainha uma oportunidade
para espalhar o culto do Espírito Santo, que em toda a Europa se encontrava em
declínio. Enquanto primeiros evangelizadores do arquipélago (séc. XV), longe do
poder real e eclesiástico, os frades adaptaram as ideias milenaristas de
Joaquim de Fiore, monge cisterciense do séc. XII, segundo o qual após o Império
do Pai (o Antigo Testamento) e o Império do Filho (do Novo Testamento até ao
fim do primeiro milénio), teria chegado o Império do Espírito Santo. “Império”
foi o nome dado às capelas ou oratórios onde se conserva a bandeira do Espírito
Santo, a coroa e o ceptro que passam de família em família, desde o Domingo de
Páscoa até ao Pentecostes. “Imperador” é o mordomo da festa anual ou daquela
semana, normalmente uma criança… O pároco benze, incensa e impõe a coroa e o
ceptro (somos desde o Baptismo um povo, sacerdotes, profetas e reis), enquanto
se canta o Veni, Creator Spiritus. E a festa termina com um
banquete, o bodo, para alegrar os mais necessitados, no dia de Pentecostes.
Sem
o Espírito de Deus, deixamos de respirar. Etimologicamente, spiritus (em
latim, masculino), pneuma (em grego, neutro) ou ruah (em
hebraico, feminino) significa vento. Precisamos do Espírito em cada respiro da
nossa vida humana e cristã. O ar que respiramos, atravessa a nossa laringe e
aparelho fonador e transforma-se em som, em voz. Sem o Espírito, nem sequer
conseguimos falar, nem mal nem bem. Curiosamente, o Pentecostes joanino (bem
diferente do Pentecostes lucano da primeira leitura) afirma que “Jesus soprou sobre
eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes, serão
perdoados” (Jo 20,22-23). Ainda hoje o bispo consagrante sopra o óleo do santo
Crisma que será depois usado no baptismo, na confirmação e na ordem. E antes da
consagração, o presbítero impõe as mãos sobre o pão e o vinho. Esta oração é
tão importante que, sem ela, não haveria consagração. E, durante séculos, os
ortodoxos acusaram os católicos de não celebrar validamente a Eucaristia
porque, no cânone romano, a menção ao Espírito Santo é implícita e não
explicita. Por outras palavras, é o Espírito o garante e o agente da acção da
Igreja: Ele reina e impera na pregação da Igreja, no Perdão, no Baptismo, na
Eucaristia, em cada sacramento e palavra da nossa vida. Que seria de nós sem o
vento de Deus?
P. Pablo Lima
In Notícias de
Viana (1940), 28 de Maio de 2020, p. 7.
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