IV Domingo de Páscoa – A
03 de Maio de 2020
Act
2, 14a. 36-41; Sal 22 (23); 1 Pd; Jo 10, 1-10
Menino de cidade, criado em ambiente urbano, quando vinha de férias a
Portugal, andar pelos montes e ver a vida da aldeia era para mim uma festa! Um
vizinho da minha avó, conhecido por “Ti Zé de Gondarém” tinha um rebanho,
pequeno, umas quinze ovelhas. Para mim era o primeiro, aliás, único pastor
verdadeiro que conheci; e aquelas eram as primeiras ovelhas verdadeiras. Afinal
não eram tao branquinhas quanto nos desenhos animados e eram muito maiores! Mas
aquilo que mais me fascinava era como ele lhes abria a porta da “corte” e elas
só saíam depois dele fazer o seu característico assobio. O mesmo assobio que
indicava a hora de regresso do pasto e que elas, sem necessidade de explicação,
interpretavam como aviso para o regresso. E, sem mais delongas, punham-se a
caminhar. Uma vez teimei com ele que era capaz de imitar o assobio. E imitei.
Mas só uma delas tirou a cabeça lá de dentro e, ao confirmar que não era ele,
voltou a enfiar-se. Só lá para o fim do verão, começaram a habituar-se a me
ouvir e, poucos dias antes do fim das férias, começaram a sair também ao som do
meu assobio.
“Amen, amen vos digo: Eu sou a porta das ovelhas (…) se alguém entrar
através de mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem” (Jo 10,7.9).
Para além de ser o pastor, cuja voz as ovelhas conhecem e às quais ele “chama
pelo seu nome”, Jesus apresenta-se como a porta. Uma porta não serve apenas
para proteger, ela indica o caminho para o ar fresco e o alimento ou para a
intimidade do lar. Quantas mais vezes atravessamos uma porta, maior vida há
dentro e fora. Pensemos quantas portas permanecem fechadas nestes dias e quanta
vida está suspensa… A Porta que Jesus é introduz-nos na casa do Pai e leva-nos
a fontes de água fresca e prados verdejantes, como canta David no salmo (23).
Há portas muito belas; não há duas portas iguais. E, mesmo quando são
fabricadas em série, distinguimos entre milhares a porta da nossa casa, pelo
tom, pela forma, por um risco ou amolgadela, pelo desgaste ou pelo adereço. Não
nos enganemos na Porta.
Celebramos hoje também o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, (sempre,
aliás, no IV Domingo de Páscoa ou “do Bom Pastor”). Aos padres não nos é pedido
pelo evangelho que sejamos pastores, mas porteiros, porque o único “pastor e
guarda das vossas almas” é Cristo Jesus (1 Pd 2,25). O porteiro tem a sublime
missão de assinalar e encaminhar para a Porta, de abrir a Porta para que as ovelhas
possam atravessá-la e alimentar-se ou refugiar-se. Ao porteiro, compete evitar
os obstáculos que se colocam diante da Porta; deve evitar que as ovelhas se
confundam com portas falsas ou perigosas. O porteiro é um amigo das ovelhas; se
ele não esticasse a mão para lhes facilitar a vida, como haviam de passar? O
porteiro tem de ser existencialmente pontual: se não abrir a porta no momento
justo, as ovelhas passarão fome e, se a deixar escancarada por desleixo, alguma
ovelha pode sair sozinha e perder-se… O porteiro, no fundo, também é uma ovelha
e também precisa muito da Porta. Se até é a Porta que lhe dá o nome! Para que
serviria um porteiro se não tivesse bem pertinho a Porta? Graças a Deus, há
Porta e há porteiro!
P. Pablo Lima
In Notícias de Viana (1936),
30 de Abril de 2020, p. 7.
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