sábado, 2 de maio de 2020

Para que serve uma porta?


IV Domingo de Páscoa – A
03 de Maio de 2020
Act 2, 14a. 36-41; Sal 22 (23); 1 Pd; Jo 10, 1-10

(N.Sky.Shutterstock)

Menino de cidade, criado em ambiente urbano, quando vinha de férias a Portugal, andar pelos montes e ver a vida da aldeia era para mim uma festa! Um vizinho da minha avó, conhecido por “Ti Zé de Gondarém” tinha um rebanho, pequeno, umas quinze ovelhas. Para mim era o primeiro, aliás, único pastor verdadeiro que conheci; e aquelas eram as primeiras ovelhas verdadeiras. Afinal não eram tao branquinhas quanto nos desenhos animados e eram muito maiores! Mas aquilo que mais me fascinava era como ele lhes abria a porta da “corte” e elas só saíam depois dele fazer o seu característico assobio. O mesmo assobio que indicava a hora de regresso do pasto e que elas, sem necessidade de explicação, interpretavam como aviso para o regresso. E, sem mais delongas, punham-se a caminhar. Uma vez teimei com ele que era capaz de imitar o assobio. E imitei. Mas só uma delas tirou a cabeça lá de dentro e, ao confirmar que não era ele, voltou a enfiar-se. Só lá para o fim do verão, começaram a habituar-se a me ouvir e, poucos dias antes do fim das férias, começaram a sair também ao som do meu assobio.
“Amen, amen vos digo: Eu sou a porta das ovelhas (…) se alguém entrar através de mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem” (Jo 10,7.9). Para além de ser o pastor, cuja voz as ovelhas conhecem e às quais ele “chama pelo seu nome”, Jesus apresenta-se como a porta. Uma porta não serve apenas para proteger, ela indica o caminho para o ar fresco e o alimento ou para a intimidade do lar. Quantas mais vezes atravessamos uma porta, maior vida há dentro e fora. Pensemos quantas portas permanecem fechadas nestes dias e quanta vida está suspensa… A Porta que Jesus é introduz-nos na casa do Pai e leva-nos a fontes de água fresca e prados verdejantes, como canta David no salmo (23). Há portas muito belas; não há duas portas iguais. E, mesmo quando são fabricadas em série, distinguimos entre milhares a porta da nossa casa, pelo tom, pela forma, por um risco ou amolgadela, pelo desgaste ou pelo adereço. Não nos enganemos na Porta.
Celebramos hoje também o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, (sempre, aliás, no IV Domingo de Páscoa ou “do Bom Pastor”). Aos padres não nos é pedido pelo evangelho que sejamos pastores, mas porteiros, porque o único “pastor e guarda das vossas almas” é Cristo Jesus (1 Pd 2,25). O porteiro tem a sublime missão de assinalar e encaminhar para a Porta, de abrir a Porta para que as ovelhas possam atravessá-la e alimentar-se ou refugiar-se. Ao porteiro, compete evitar os obstáculos que se colocam diante da Porta; deve evitar que as ovelhas se confundam com portas falsas ou perigosas. O porteiro é um amigo das ovelhas; se ele não esticasse a mão para lhes facilitar a vida, como haviam de passar? O porteiro tem de ser existencialmente pontual: se não abrir a porta no momento justo, as ovelhas passarão fome e, se a deixar escancarada por desleixo, alguma ovelha pode sair sozinha e perder-se… O porteiro, no fundo, também é uma ovelha e também precisa muito da Porta. Se até é a Porta que lhe dá o nome! Para que serviria um porteiro se não tivesse bem pertinho a Porta? Graças a Deus, há Porta e há porteiro!

P. Pablo Lima

In Notícias de Viana (1936), 30 de Abril de 2020, p. 7.

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